sábado, 5 de dezembro de 2009

Filme sobre pai de Eike põe o dedo na ferida da Vale
Documentário Eliezer Batista - O Engenheiro do Brasil traz bastidores importantes sobre a privatização da Vale e ainda ajuda a mapear o DNA do bilionário Eike Batista

Exame - Por João Sandrini | 03.12.2009 | 08h58

Esqueça Lua Nova, 2012 ou qualquer outro blockbuster em cartaz. Para quem se interessa por economia e negócios, o filme mais interessante nos cinemas é Eliezer Batista - O Engenheiro do Brasil. É verdade que a fita, vista por apenas 350 pessoas no final de semana passado, o primeiro de exibição, comete boa parte dos pecados capazes de estragar qualquer documentário. A produção foi paga pelas empresas interessadas na divulgação da história. Os depoimentos de amigos são óbvios e excessivamente elogiosos. A própria família se encarrega de contar boa parte do enredo. A narração dos acontecimentos é feita de uma maneira quadradona.

Mas cabe ao próprio Eliezer salvar o filme e justificar o dinheiro do ingresso. O empresário, pai de Eike Batista, foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento do Brasil no século passado. Como presidente da Vale na década de 60, desenvolveu o plano logístico que o possibilitou ao Brasil tornar-se um grande exportador de minério de ferro ao Japão - apesar de a distância percorrida pelo produto nacional ser sete vezes maior do que a do minério dos concorrentes australianos.

Como engenheiro, teve participação decisiva na construção da Estrada de Ferro Vitória-Minas, do porto de Tubarão (ES), da ferrovia entre a mina de Carajás (PA) e o porto de São Luís (MA) e do porto de Sepetiba (RJ). Em um país tão carente em infraestrutura, apenas essas obras já seriam suficientes para comprovar sua capacidade de realização. Mas Eliezer também ajudou na criação da Aracruz, que no início de 2009 se uniu à VCP para formar a maior empresa de celulose do mundo, e foi ministro nos governos - mal-sucedidos - de João Goulart (1961-64) e Fernando Collor de Mello (1990-92).

Além do papel de protagonista na formação econômica do país, Eliezer mostra, na fita, características humanas bastante raras no meio empresarial. Sempre bem-humorado, apresenta uma enorme capacidade de rir da vida e divertir aos próximos. Ao mesmo tempo, revela, em alguns de seus depoimentos, sensibilidade suficiente para emocionar os corações mais capitalistas.

Conhecer o personagem também ajuda a mapear o DNA de Eike Batista. Dono da conta corrente mais gorda do país, o bilionário é hoje capaz de reunir investidores para seus projetos como nenhum outro manda-chuva do mercado financeiro brasileiro. Obviamente muitos dos conhecimentos técnicos sobre mineração e logística que o ajudaram a construir seu império foram herdados do pai. Ao longo dos 84 minutos do filme, também fica claro que Eliezer transmitiu ao filho ensinamentos importantes sobre a gestão e o financiamento de projetos - os próprios espectadores podem tirar da fita ensinamentos para suas carreiras.

O ponto mais alto do filme, no entanto, é a discussão sobre a privatização da Vale. Apesar de ter a mineradora como um de seus patrocinadores e de contar com depoimentos bastante elogiosos do presidente da empresa, Roger Agnelli, o documentário não deixou de colocar o dedo nessa ferida - que ainda não cicatrizou totalmente 12 anos após o leilão. Assim como já havia declarado Eike em entrevistas recentes, Eliezer também defende que a Vale, além de buscar o lucro, sirva de instrumento para o desenvolvimento do Brasil. Mas ele vai além e não esconde sua convicção de que a decisão do governo Fernando Henrique Cardoso de vender a mineradora teria sido equivocada.

Em uma reunião com o então presidente antes da privatização, Raphael de Almeida Magalhães, amigo de Eliezer, diz ter aconselhado FHC a desistir porque a Vale poderia ser o instrumento do governo para resolver os problemas de logística do país. Com a geração de caixa da mina de Carajás, a maior do mundo, com capacidade de produção de 100 milhões de toneladas de minério ao ano, a Vale, poderia viabilizar a construção das obras necessárias para reduzir o custo Brasil. Segundo Magalhães, FHC teria levado adiante o plano de leiloar a mineradora com a justificativa de que era necessário convencer os investidores da seriedade de seu programa de privatizações.

É óbvio que vender um bem estatal tão valioso quanto a Vale. apenas por uma questão de credibilidade seria estupidez. FHC não comenta diretamente a afirmação. Diz apenas que tomou a decisão mais adequada para o Brasil naquele momento e descarta a precipitação nas privatizações, citando empresas que se mantiveram sob o controle estatal em seu governo. "Poderíamos ter privatizado a Petrobras, mas eu não permiti que isso acontecesse."

De qualquer forma, quem assiste ao filme sai do cinema com a convicção sobre a necessidade de diminuir a presença do Estado na economia um pouco abalada. O controle da Vale foi vendido por 3,33 bilhões de reais - um preço ínfimo sob qualquer ângulo de análise. Hoje o lucro da mineradora em apenas três meses costuma ser superior ao valor desembolsado pelo consórcio formado por BNDES, fundos de pensão, CSN, Opportunity e NationsBank para arrematá-la.

No entanto, é impossível afirmar que, sob a tutela estatal, a Vale teria resultados próximos aos apresentados atualmente. Privatizada, a mineradora cresceu exponencialmente, gerou riquezas, contratou funcionários e passou a pagar muito mais impostos. Há quem defenda, principalmente na esquerda mais radical, que o governo poderia ter colhido os mesmos frutos.

Mas basta olhar para a Eletrobrás para entender que uma posição de liderança e ativos valiosos não são suficientes para transformar uma estatal em um colosso. Nas mãos do Estado, a maior empresa de energia do Brasil dá exemplos de má governança, retém o pagamento de dividendos aos acionistas, chega a dar prejuízo em alguns trimestres e, vez por outra, deixa milhões de brasileiros sem luz por não resolver problemas que poderiam ser evitados.

Não é possível voltar ao passado, cancelar o leilão de privatização da Vale, acelerar de novo o tempo e saber o que aconteceria. Líquido e certo é que hoje milhões de brasileiros podem lucrar com as riquezas produzidas pela Vale via mercado de capitais, comprando ações da mineradora. Enquanto isso, em empresas como a Eletrobrás, quem mais ganha são alguns caciques políticos e seus apadrinhados.

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