sábado, 5 de dezembro de 2009

A MÃE DE TODAS AS BOLHAS?
Ouro, petróleo, moedas de países emergentes, títulos da dívida iraquiana, apartamentos em Hong Kong -- tudo se valoriza na euforia que toma conta do mercado financeiro mundial

Exame - Por Tiago Lethbridge, de Nova York | 26.11.2009 | 00h01

No início da década, em meio à ressaca causada pela implosão do mercado acionário após o fim da euforia com a internet, um adesivo de carro tornou-se popular nos Estados Unidos -- "Deus, dê-nos mais uma bolha", era a prece de americanos que haviam perdido o dinheiro de suas aposentadorias em ações que acabaram virando pó. Demorou alguns anos, mas, como hoje bem se sabe, as preces foram atendidas (a bolha seguinte se provou muito mais letal do que a anterior, mais uma prova de que é mesmo recomendável ter cuidado com aquilo que se deseja). Após o pânico que devastou o mercado no ano passado, mesmo os mais otimistas viam pela frente anos de vacas magras para os investidores: a inevitável freada econômica jogaria o preço das ações para baixo, e quem quisesse uma nova bolha para compensar a pancada de 2008 teria de rezar dobrado e ter muita paciência. Mas não foi o que aconteceu.

Poucos meses depois da maior crise financeira das últimas décadas, o mercado financeiro mundial já vive um novo período de euforia. Moedas de países emergentes, apartamentos em Hong Kong, petróleo, ouro, ações na Índia, títulos da dívida iraquiana - está tudo se valorizando num ritmo de tirar o fôlego. A nova bolha já chegou?

Poucas perguntas são tão importantes para o futuro da economia mundial. Caso uma bolha esteja realmente em estágios avançados de inchaço, uma nova onda de pânico no mercado financeiro pode arrasar as esperanças de recuperação econômica. Nas últimas semanas, os alertas para os riscos de uma valorização irracional nas bolsas se multiplicaram. O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, e técnicos do Fundo Monetário Internacional alertaram para a possível formação de bolhas, especialmente na Ásia. Bill Gross, fundador da Pimco, um dos maiores fundos de investimento do mundo, fez o mesmo. E, claro, ninguém resumiu melhor esse temor do que Nouriel Roubini, o economista-celebridade, eterno pessimista de plantão, que ganhou status de oráculo ao prever o estouro da bolha anterior. Para ele, a taxa de juro americana, próxima de zero, está dando origem ao chamado "carry-trade", fenômeno em que os investidores tomam emprestado em países com juros baixos e aplicam em outros lugares na busca de retornos maiores. Segundo Roubini, é isso que está acontecendo com o dólar. Assim, enquanto a moeda americana perde valor (está em seu nível mais baixo em 15 meses), os outros ativos atingem níveis pouco ligados à realidade. Roubini apelidou o fenômeno de "mãe de todas as bolhas de ativos". Qualquer solavanco na economia mundial, continua ele, causará uma reversão desse fenômeno, uma súbita valorização do dólar e mais pânico.

Para os pessimistas, a exuberância dos mercados emergentes em 2009 é a principal evidência da suposta irracionalidade do momento atual. A magnitude da recuperação das bolsas desses países realmente impressiona. Segundo a agência de notícias Bloomberg, todas as dez bolsas líderes em valorização no ano são de mercados emergentes. Na Rússia, a alta foi de 134%. No Brasil, o índice Bovespa subiu 138% em dólares. Enquanto o SP 500, índice que reúne as ações das maiores empresas americanas, subiu 27% no ano, o índice MSCI, que reúne os principais mercados emergentes, subiu 65%. Essa valorização é impulsionada por um fluxo de dólares de tirar o fôlego. As bolsas de países emergentes receberam 63 bilhões de dólares no ano, quebrando o recorde de 52,7 bilhões de 2007. No Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), o volume é 50% maior do que o recorde anterior. Outra consequência da enxurrada de dólares é a brutal valorização das moedas desses países. O real é o primeiro da lista: ganhou 26% em relação ao dólar até novembro. Para evitar uma valorização ainda maior, o governo brasileiro vem tentando segurar a onda de dólares com as mãos -- mas a criação de uma taxa de 2% para investimentos estrangeiros, em outubro, não conseguiu reverter o fenômeno. Para o Bank of America Merrill Lynch, o preço justo do dólar é 1,60 real, com ou sem imposto. Outros países decidiram seguir o exemplo brasileiro, numa desesperada tentativa de segurar o câmbio e manter a competitividade de suas exportações. Taiwan foi o primeiro. A Indonésia pode ser o segundo.

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