"A Sadia virou Geni"
Apesar da crise financeira que atinge a empresa, Luiz Fernando Furlan mantém o tom confiante e dispara: "Estão querendo comprar a Sadia a preço de banana, mas não vão conseguir".
Revista EXAME - Por Daniella Camargos | 05.02.2009 |
Quando assumiu o comando da Sadia, em outubro, Luiz Fernando Furlan se desdobrou para tranquilizar os funcionários, os fornecedores e, principalmente, os investidores. Poucas semanas antes, a empresa, uma das maiores fabricantes de alimentos do país, havia anunciado um prejuízo de 760 milhões de reais causado por uma desastrada operação com derivativos cambiais. O mercado respondeu de forma rápida e drástica. Em três dias, as ações da companhia perderam metade de seu valor. "O pior já passou", disse Furlan, ao tomar posse como presidente do conselho de administração da Sadia, cargo que já havia exercido entre 1993 e 2002. O que se seguiu, porém, mostrou que o pior estava por vir. Nos últimos meses, Furlan e seus executivos corriam para obter um aporte de aproximadamente 1 bilhão de reais para a empresa. O mais provável candidato é o BNDES, que vem assumindo com ímpeto renovado as funções de hospital de negócios em crise. Até o fechamento desta edição, um acordo ainda não havia sido concluído.
Os problemas financeiros levaram os analistas a traçar cenários sombrios para o futuro da Sadia. O Bank of America Merrill Lynch foi categórico: caso não receba uma injeção de 2 bilhões de reais, a empresa pode parar até junho de 2009 por falta de caixa. "Estamos sendo apedrejados", disse Furlan a EXAME, num dos intervalos do Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, na Suíça, e em meio a um frio de 2 graus abaixo de zero. "A Sadia virou a Geni da vez."
Ao afirmar isso, o ex-ministro Furlan volta-se para uma Sadia que continua a ser dona de uma das marcas mais reconhecidas do país, opera 18 fábricas e cresceu a uma média de 16% ao ano no período de 2003 a 2007. A Sadia é uma operação que, para onde quer que se olhe, vai bem. O que Furlan não nega é que essa situação não passa pelo front financeiro. O dinheiro que a empresa tomou emprestado para pagar o rombo de 760 milhões de reais provocado pela crise dos derivativos vem custando caro. Segundo a corretora Ativa, a Sadia tem uma dívida de 1 bilhão de reais com vencimento no prazo de até um ano. Essa dívida, captada às pressas no fim do ano passado, custa o equivalente a 125% do CDI, pelo menos 10 pontos percentuais a mais do que as empresas do porte da Sadia costumam pagar em períodos sem crise - da í a necessidade de obter o mais rápido possível um aporte de capital. Ainda não se sabe, com precisão, o tamanho final do prejuízo que será causado pelos contratos de derivativos não liquidados em setembro do ano passado. O banco Brascan estima que o prejuízo financeiro da Sadia em 2008 tenha somado 2,5 bilhões de reais (ou seja, 1,75 bilhão de reais a mais do que o buraco anunciado antes da posse de Furlan). Caso esses números sejam reais, a dívida total da companhia chegaria a 4,7 bilhões de reais, o equivalente a quase quatro vezes sua geração de caixa - nível muito acima da média histórica da empresa, de uma a duas vezes a geração de caixa.
Vale menos, deve mais
A possibilidade de um aporte do BNDES é reflexo do insucesso das negociações que, nos últimos meses, vinham acontecendo com fundos de investimento. O objetivo das conversas, intermediadas pelo BBI, banco de investimento do Bradesco, era conseguir um parceiro capitalizado e, assim, aliviar a situação financeira da Sadia. A empresa conversou com fundos como Advent, Gávea, Carlyle e Mitsubishi, mas as negociações não prosperaram. O impasse ocorre basicamente por um motivo, de acordo com executivos que participam das negociações - Furlan busca um sócio que resolva o problema financeiro da companhia, mas quer continuar dando as ordens. Ou seja, não considera abrir mão do controle. "A Sadia está nessa situação justamente por um problema de governança", diz o diretor de um dos fundos que analisaram a companhia. "Vai ser muito difícil encontrar alguém que aceite investir mais de 1 bilhão de reais e sentar no banco de trás, sem mandar."
Segundo representantes de fundos ouvidos por EXAME, o modelo considerado ideal é aquele em que Furlan aceita compartilhar o controle da Sadia com o novo sócio. "Ninguém é louco de querer tirá-lo do comando", diz o assessor financeiro de um fundo interessado na Sadia. Caso Furlan e os outros controladores aceitem dividir o comando com um sócio financeiro, outra questão deve surgir: o preço. De acordo com um executivo da Sadia próximo às negociações, a empresa não aceita ofertas inferiores a 8 reais por ação, quase três vezes mais do que o valor atual dos papéis da empresa. "Estão querendo comprar a Sadia a preço de banana, mas isso não vai acontecer", diz Furlan. "Não temos dívidas vencendo nos próximos nove meses. Podemos esperar." Ainda segundo Furlan, a interrupção na negociação com os fundos foi decidida pela própria Sadia, insatisfeita com os valores que vinham sendo oferecidos. "Quando apresentarmos os resultados do primeiro trimestre de 2009, estaremos em melhores condições para negociar", diz. Diante dos impasses, os analistas já começam a traçar outros cenários para a companhia, entre eles uma difícil - na opinião de todos os envolvidos - fusão com a Perdigão. Um relatório do Bank of America Merrill Lynch calcula uma economia de quase 2 bilhões de reais com as sinergias que surgiriam no caso de uma união entre as duas empresas. Não é a primeira vez que essa hipótese é aventada. Em 2006, num lance inesperado, a Sadia tentou comprar a Perdigão por meio de uma oferta hostil no mercado de ações. Diante da resistência feroz do concorrente, a Sadia recuou.
Com a interrupção nas negociações com os fundos, Furlan busca alternativas de curto prazo para fazer caixa. Entre elas está o adiantamento com os bancos de linhas de crédito de exportação, a venda de terrenos, fazendas, da sede da empresa de 100 000 metros quadrados, em São Paulo, e do conglomerado finaceiro da Sadia, que inclui uma gestora de recursos, uma corretora e o banco Concórdia, recém-aprovado pelo Banco Central. Criado com base no modelo do Banco Votorantim, o Concórdia nasceu para auxiliar no crescimento da Sadia, financiando toda a cadeia produtiva da empresa - e poderia, como aconteceu com a Votorantim, tornar-se um negócio independente no futuro. A companhia contratou executivos renomados para tocar o negócio. O engenheiro João Rabêllo saiu da presidência do banco Fibra para assumir o comando da instituição. Como diretores, foram contratados Ricardo Amorim (ex-economista do banco WestLB e comentarista do programa Manhattan Connection, do canal a cabo GNT), Emílio Otranto (ex-superintendente da Associação Nacional de Bancos de Investimento), Reinaldo Hossepian (ex-Banco Votorantim) e José Antônio Gragnani (ex-secretário adjunto do Tesouro Nacional). Com a crise dos derivativos, porém, o negócio ficou estagnado, e Furlan decidiu vender metade do capital do conglomerado financeiro a uma instituição de varejo. A firma de assessoria de fusões e aquisições Latin Finance foi contratada recentemente para fazer o levantamento do valor dos ativos e encontrar um sócio para a operação. Enquanto o banco fica em compasso de espera, alguns executivos estão emprestados para outras operações da Sadia. Amorim, por exemplo, tem dado expediente na corretora. Rabêllo, Gragnani e Otranto foram recrutados pelo departamento financeiro da Sadia para tentar encontrar soluções para o rombo aberto pelos derivativos.
Desde que assumiu a Sadia, Furlan vem colocando em operação uma drástica redução de custos. Demitiu 350 profissionais que ocupavam cargos de gerência, diretoria e supervisão em todas as fábricas (as demissões devem gerar uma economia anual de 44 milhões de reais em salários). Os cargos de vice-presidente foram extintos, assim como algumas diretorias. Furlan também determinou que a diretoria financeira passe a ser subordinada à presidência executiva, algo que não acontecia na gestão anterior. A reestruturação está literalmente derrubando paredes dentro da Sadia. A partir de agora, o presidente executivo, Gilberto Tomazoni, dividirá uma grande sala com vários diretores, como os de mercados interno e externo, recursos humanos, vendas, negócios e, claro, o diretor financeiro. O objetivo da nova estrutura é simplificar alguns processos e permitir mais agilidade nas decisões. As medidas foram aplaudidas pelos analistas como um passo necessário para a melhoria da estrutura interna da Sadia - mas ninguém duvida de que serão inócuas até que a situação financeira comece, de fato, a melhorar.
quarta-feira, 18 de março de 2009
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