terça-feira, 7 de abril de 2009

Recessão brasileira deve ser curta
Para especialistas, o PIB voltou a registrar queda entre janeiro e março, mas terá expansão neste trimestre ou no próximo

Portal EXAME - Por João Sandrini, Francine de Lorenzo e Peri de Castro | 06.04.2009

O trabalho de acertar previsões econômicas com meses de antecedência é uma espécie de espionagem estatística. Grandes bancos e consultorias contratam equipes de economistas para coletar e antecipar centenas de informações. Reunidos e analisados com precisão, esses dados podem indicar o futuro desempenho de uma empresa, de um setor ou da economia como um todo.

A crise, no entanto, trouxe elementos novos e imponderáveis, alterou trajetórias que pareciam já traçadas e gerou fortes discrepâncias entre as previsões econômicas para o Brasil neste ano. Existe um abismo de quase 200 bilhões de reais entre a previsão de crescimento de 2% para o PIB feita pelo Ministério da Fazenda e a estimativa de retração de 4,5% divulgada pelo banco Morgan Stanley.

Nos últimos dias, o Portal Exame reuniu a opinião de oito especialistas em previsões econômicas. Desconsiderando tudo que não é consensual, chega-se a quatro conclusões:

1) A economia brasileira encolheu entre janeiro e março e completou dois trimestres seguidos de retração, o que tecnicamente configura uma recessão; 2) Apesar de o ritmo da contração estar mais para tsunami do que para marolinha, a recessão brasileira será curta, ao contrário da americana e da europeia; 3) Em relação ao trimestre anterior, a economia voltará a crescer neste segundo trimestre ou, no mais tardar, no próximo; e 4) A produção só voltará ao patamar pré-crise no final do ano ou no início de 2010.

Até a semana passada, especialistas ainda alimentavam a expectativa de que a economia brasileira pudesse voltar a crescer já no primeiro trimestre devido a uma série de indicadores positivos no setor de consumo. Além da resistência das vendas de alimentos, bebidas, medicamentos e livros, o consumo de carros no mercado interno chegou a alcançar novos recordes e o crédito deu sinais claros de recuperação.

No entanto, a esperança de que a recessão seria evitada foi sepultada pela divulgação de que a produção industrial caiu 17% em fevereiro em relação ao mesmo mês do ano passado. Após o tombo de 20% da indústria no quarto trimestre, a leve recuperação apresentada em janeiro e fevereiro é pífia sob qualquer aspecto. "O consumo sozinho não vai ser suficiente para estimular a produção", diz Guilherme da Nóbrega, economista-chefe da Itaú Corretora, em relatório. "Os investimentos e as exportações terão de fazer a sua parte."

As exportações foram bastante afetadas pela queda de quase 20% no volume de comércio mundial neste ano. Enquanto em setembro do ano passado as vendas brasileiras ao exterior cresciam 41,3% em relação ao mesmo mês de 2007, em fevereiro deste ano as exportações tiveram queda de 25,1%. Para o economista Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do Departamento de Comércio Exterior da Fiesp, a falta de crédito e de seguro para financiar as compras de produtos brasileiros por países emergentes agravou a já representativa redução das exportações para as economias desenvolvidas.

Giannetti diz, no entanto, que a decisão do G20 de criar uma linha de crédito de 250 bilhões de dólares para o financiamento do comércio será um "primeiro passo" para destravar as exportações para países do Leste Europeu - cujos bancos enfrentam crise de confiança - e para países exportadores de commodities, como a Venezuela, com quem o Brasil tem seu maior superávit comercial.

Essa retomada, no entanto, será bem lenta. O próprio Ministério do Desenvolvimento já estima uma queda de 20% nas exportações brasileiras neste ano. Para o investidor Antoine van Agtmael, que cunhou o termo "mercados emergentes", só países com um mercado interno gigantesco como a Índia ou a China e outras raras exceções poderão evitar uma recessão devido ao colapso do comércio mundial. Além disso, ele aposta que, apesar da recente reação, os preços das commodities vão levar ao menos três anos para retomar os patamares anteriores à crise, o que prejudicará o Brasil.

Os investimentos são outro destaque negativo da economia brasileira. A produção de bens de capital (máquinas e equipamentos) teve uma queda de 28% entre setembro e fevereiro. "O problema dos bens de capital é que a queda está acelerando ao contrário do que se observa em outros setores da indústria", afirma Rogério de Oliveira, diretor de pesquisas para mercados emergentes do banco Barclays. "Por que alguém investiria em um momento em que não há pressão sobre a capacidade já instalada nem uma perspectiva de grande melhora no curto prazo?", questiona o economista-chefe do Santander e ex-diretor doBanco Central, Alexandre Schwartsman.

Há luz no fim do túnel

Apesar dos sinais da baixa confiança dos empresários, há motivos para que a economia brasileira volte a crescer neste trimestre ou, no máximo, no próximo. O primeiro deles é que a economia alcançou um patamar muito baixo devido à redução de estoques. Para John Welch, economista global do banco Itaú, mesmo sem um forte crescimento da demanda, as empresas terão de repor estoques nos próximos três meses, levando a uma recuperação da economia.

Além disso, medidas anunciadas pelo governo nos últimos meses devem começar a fazer efeito no terceiro trimestre. O Banco Central já reduziu a taxa básica de juros em 2,5 pontos percentuais e deve levá-la para algo entre 8% e 10% ao ano até julho. Se a economia continuar a piorar, é provável que a Selic fique mais próxima de 8% ao ano, e vice-versa.

Independente do tamanho dos cortes, a Selic já atingirá o menor patamar da história a partir deste mês. O consumo de bens como imóveis e eletroeletrônicos, bastante afetado pela crise, deverá ser reativado pela Selic - a não ser que a taxa de desemprego suba do atual patamar de 8,5% da população ativa para mais de 10%.

O governo também injetou ânimo no consumo nas últimas semanas ao anunciar a prorrogação do IPI reduzido para carros e caminhões e a redução de tributos cobrados sobre motos e material de construção. O pacote habitacional é outra aposta que deve elevar a demanda por imóveis para famílias com renda de até dez salários mínimos assim que os subsídios estiverem disponíveis. O problema é que não se sabe quando isso vai acontecer, já que nem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se comprometeu com um prazo para a construção de 1 milhão de moradias.

Oliveira, do Barclays, lembra que o governo terá limitações orçamentárias para tomar novas medidas fiscais de estímulo à economia como fizeram os países desenvolvidos. A arrecadação tem caído rápido e o governo só evitará o crescimento da relação dívida/PIB caso garanta um superávit primário (receitas menos despesas, excluído o pagamento de juros) equivalente a ao menos 3% do PIB. "Se o governo quiser economizar menos que isso, precisa comunicar bem ao mercado que trata-se de algo temporário, uma ação pontual para combater a crise. Do contrário, o 'grau de investimento' ficará ameaçado", afirma.

Por outro lado, a solidez dos bancos brasileiros, os sinais de que a economia chinesa começa a se recuperar e o plano do governo dos Estados Unidos para ressuscitar o setor financeiro geram alguma esperança em empresários e consumidores. Então é possível descartar totalmente a previsão do Morgan Stanley de que a economia brasileira encolherá 4,5% neste ano? Não, principalmente se a quebra de algum grande banco ou montadora americana voltar a abalar a economia mundial. Mas é provável que isso aconteça? A julgar pela recente recuperação dos mercados financeiros globais e da Bovespa, essa possibilidade é cada vez menor.

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