sábado, 18 de julho de 2009

O Parlamento que queremos

Brasília, 16/07/2009

"Quando eu virei senador, ninguém me deu um manual de como é que eu tinha de usar passagem de avião. Falaram: ‘A passagem é sua. Use-a como quiser.' (...) Olha, você pode ter gente no seu gabinete trabalhando em Belo Horizonte, trabalhando no Triângulo Mineiro'. De repente, isso vira crime, você ter alguém trabalhando lá, fazendo política, que é o que esta Casa faz?"

A manifestação acima não foi registrada em uma gravação telefônica sem o consentimento da parte envolvida. Trata-se, em verdade, de pronunciamento feito, da tribuna do Senado, pelo senador Wellington Salgado de Oliveira, defendendo o colega José Sarney. O pronunciamento indica uma concepção de Estado, nele compreendendo legislativo, executivo e judiciário. O perigoso conceito manifestado é compartilhado por muitos que ocupam cargos e funções públicas, especialmente no parlamento, porém a maioria não tem coragem de dizer o que pensa, como fez Wellington de Oliveira. Estamos chegando ao ponto de admitir publicamente que a estrutura do Senado está a servir os próprios senadores, aos seus interesses pessoais e particulares, e não ao povo.

Afinal, a democracia precisa de toda essa superestrutura que por força do hábito parece tão necessária aos nossos parlamentares? Polícia legislativa, serviço médico exclusivo para o Senado, assessores fora da sede do parlamento, cota para combustível, apartamentos funcionais, aposentadorias especiais. Uma lista interminável de benefícios consolidados sob o pretexto de serem garantias mínimas para o exercício legislativo. Conforme informou recentemente um consultor da Fundação Getúlio Vargas, o Senado conta hoje com 10.000 colaboradores remunerados pelos cofres públicos, entre funcionários, cargos em comissão e terceirizados. Já é mais do que chegada a hora de enxugarmos essa estrutura de proporções exageradas, origem de distorções em relação à própria razão de existir do parlamento.

Que tal simplificarmos? Cada parlamentar com uma secretária e três ou quatro assessores e nada mais. Não seria má idéia conceder a eles os mesmos benefícios que os de um cidadão comum. Uma aposentadoria pelo regime geral de previdência, o que significa dizer que apenas após cumprir todos os requisitos que um trabalhador comum tem que cumprir é que senadores também teriam direito de se aposentar; férias por período nunca superior a de 30 dias; passagens, apenas para o próprio parlamentar; assessores, apenas aqueles que trabalhem no próprio Senado. As "bases" políticas deveriam ser formadas pelos correligionários, aqueles que acreditam e perfilham das ideias dos parlamentares e não funcionários remunerados pelo parlamento. A medida poderia ter o efeito de uma vacina capaz de imunizar o Senado contra a política arcaica fundamentada no clientelismo.

A hipertrofia, além de dispendiosa aos cofres públicos, atrapalha, cria o sentimento de que o Senado vive em torno de si mesmo, distancia ainda mais a casa legislativa dos anseios do povo brasileiro. Não é esse o parlamento que queremos. A democracia deve ser algo simples e de fácil compreensão. Ela não precisa de estruturas suntuosas, de numerosos aparatos ou de um exército de serviçais. A democracia é apenas um meio de darmos voz à opinião do povo. Nada mais do que isso.

Também merece reflexão o sistema que permite reeleições sucessivas. Mesmo bons parlamentares com o tempo correm o risco de se acomodar, de perder o poder de indignação e, em consequência, tolerar as distorções e o mau uso do dinheiro público. Que tal se permitíssemos apenas uma reeleição para todos os mandatos no Brasil?

A renúncia do senador José Sarney é efetivamente necessária. Não se pode imaginar que denúncias como as que têm vindo à tona sejam ignoradas. Mas é forçoso reconhecer que apenas a renúncia pouco mudará o futuro do Senado ou da nossa democracia. Vale lembrar que Jader Barbalho, Renan Calheiros e Fernando Collor também renunciaram, mas voltaram e, o que é pior, pelo voto popular. A mudança efetiva depende de uma atitude concreta do povo, a quem pertence o poder irrevogável de derrotar nas urnas todos que construíram as suas carreiras como ilusionistas e malfeitores do interesse público. Feliz a expressão do filósofo espanhol radicado na América do Norte George Santayana: aqueles que esquecem o passado estão condenados a repeti-lo."

O artigo "O Parlamento que queremos" é de autoria do presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Paraná, Alberto de Paula Machado, e foi publicado no jornal Folha de Londrina (PR).

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