domingo, 4 de janeiro de 2009

BILIONÁRIOS !?!?!?

Trinta e quatro bilionários a menos
23.12.2008

Nos últimos quatro anos, a onda de aberturas de capital criou uma nova geração de magnatas no Brasil - bastaram alguns meses de crise, porém, para que surgisse um clube do qual ninguém queria ficar sócio: o dos ex-bilionários.

Por Daniella Camargos
Revista EXAME

Das facetas da onda de aberturas de capital que transformaram a bolsa de valores brasileira nos últimos anos, a mais saudável foi a renovação da lista dos maiores empresários do país. Até 2004, os rostos reinantes na economia eram os de sempre - controladores de conglomerados industriais centenários, bancos e outras instituições pertencentes a famílias tradicionais.

Com as aberturas de capital, a lista dos brasileiros mais ricos ganhou uma enxurrada de rostos diferentes. Gente nova, como Constantino Júnior, presidente da companhia aérea Gol, e José Auriemo, presidente da construtora JHSF.

Ou gente nem tão nova, mas que criou modelos de negócios inovadores, como Rubens Menin, fundador da construtora voltada para a baixa renda MRV. Empresários de setores tão distintos quanto financeiro, de seguros, mineração, cosméticos, frigoríficos, construção civil e educação se tornaram bilionários. Ao todo, 39 deles entraram no grupo de controladores que têm patrimônio em ações superior a 1 bilhão de reais.

Da abertura de capital da Natura, que iniciou a onda de emissões de ações em maio de 2004, até meados de 2008, quando a euforia acabou, surgiu em média um novo bilionário brasileiro a cada 40 dias. Mas eis que chegou a crise mundial, com sua incrível capacidade de destruir fortunas. E, como resultado, a economia brasileira ganhou nos últimos meses uma superpopulação de ex-bilionários.

Um levantamento exclusivo feito por EXAME dá números a esse fenômeno. Dos 39 bilionários surgidos no país nos últimos quatro anos, 34 têm hoje patrimônio inferior a 1 bilhão de reais (em alguns casos, bastante inferior). Juntos, esses empresários chegaram a acumular uma fortuna de 97,5 bilhões de reais. Hoje, suas participações, somadas, não passam de 20 bilhões.

Algumas desvalorizações de patrimônio chamam a atenção por sua magnitude. Os irmãos Constantino, donos da Gol, chegaram a ter 2,9 bilhões de reais cada um em maio de 2006. Hoje, têm 380 milhões, uma queda de 86,9%.

Os donos de construtoras também perderam dinheiro em enormes proporções - as ações das empresas do setor caíram 70%, em média, em 2008. Menin, da MRV, tinha 2,5 bilhões um ano atrás. Hoje, tem 513,4 milhões. O empresário Meyer Joseph, da construtora paulista Tecnisa, era dono de 1,3 bilhão de reais em julho de 2007. A fortuna caiu 79%, para os atuais 271,5 milhões de reais.

O maior perdedor do ano, embora não tenha se tornado um ex-bilionário, é o empreendedor em série Eike Batista. Em julho, Eike se propagandeava como o homem mais rico do Brasil. Ao todo, sua participação nas empresas do grupo EBX chegou a somar 42 bilhões de reais. Pois desde então as ações de suas companhias caíram, em média, 80% - e seu patrimônio foi embora junto. Em dezembro, somava 10,6 bilhões de reais.

Os números mostram que a crise foi especialmente cruel com os donos de empresas que abriram o capital recentemente. Há um motivo para isso. Com raríssimas exceções (como a petrolífera OGX, de Eike Batista), as mais de 100 empresas brasileiras que foram à bolsa desde 2004 são consideradas small caps, termo que designa companhias com valor de mercado inferior a 5 bilhões de reais. Essas empresas têm liquidez menor do que gigantes como Vale e Petrobras - ou seja, o volume de ações negociado na bolsa é inferior. Em momentos de crise, como o atual, os grandes investidores fogem justamente de ações com menor liquidez. Isso ocorre porque gestores de fundos preferem investir em empresas maiores, das quais é mais fácil sair caso a crise se agrave. Assim, o valor de mercado das novatas despencou.

Em alguns casos, a empresa vale hoje menos que seu conjunto de ativos. A gestora de shopping centers Multiplan é um exemplo. Há cerca de um ano, a empresa atingiu seu valor máximo na bolsa, 4,1 bilhões de reais. Hoje, vale cerca de 1,5 bilhão. "É frustrante", diz José Isaac Peres, fundador da Multiplan e um dos ex-bilionários. Seu patrimônio em ações caiu 600 milhões de reais no último ano. Há um mês, ele encomendou à consultoria Jones Lang LaSalle uma avaliação dos ativos da Multiplan para mostrar aos investidores e analistas quanto ela realmente vale. Segundo a consultoria, os 11 shoppings da empresa valem 9 bilhões de reais, dos quais 5,6 bilhões referem-se à participação da Multiplan nos empreendimentos. É quase quatro vezes mais que seu valor de mercado atual.

Embora a razão de fundo para a redução do número de bilionários brasileiros na bolsa seja o mau humor do mercado internacional, alguns empresários viram seu patrimônio em ações derreter por seus próprios erros.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com os sócios da Gol. A empresa meteu os pés pelas mãos na compra da Varig, em março de 2007 - e, desde então, o que era uma das companhias aéreas mais rentáveis do mundo se transformou numa máquina de perder dinheiro. Nos três primeiros trimestres de 2008, a Gol teve prejuízos acumulados de 765 milhões de reais. Antes mesmo do agravamento da crise financeira internacional, em setembro, suas ações já estavam 82% abaixo de seu valor máximo. Ou seja, o patrimônio da família Constantino, que chegou a ter quatro representantes na lista de bilionários da revista americana Forbes, começou a ser dilacerado muito antes da falência do banco de investimento Lehman Brothers, que iniciou a fase aguda da crise financeira mundial. Desde então, claro, a coisa só fez piorar. Os quatro irmãos que controlam a companhia perderam, juntos, cerca de 10 bilhões de reais na bolsa.

A lista dos ex-bilionários
Para esses empresários, a queda do valor das ações representa muito mais do que a simples perda do status de super-rico. Empresas que valem pouco têm um leque muito menor de opções de crescimento - afinal, quem tem ações valorizadas pode financiar sua expansão com novas emissões ou mesmo oferecer ações como moeda de troca na compra de um concorrente.

Controladores de empresas malvistas pelo mercado podem ser colocados na difícil situação de ter de resistir à voracidade de rivais mais fortes. Foi o que ocorreu com a construtora Tenda, fundada pelo empresário Henrique Alves Pinto. Uma queda superior a 80% no valor de mercado da companhia colocou em questão sua sobrevivência. Diante disso, ficou impossível para Alves Pinto recusar uma oferta da rival Gafisa.

É por isso que 73 grupos lançaram programas de recompra de ações no mercado em 2008. O objetivo é reforçar entre os investidores a idéia de que as ações estão muito abaixo do razoável - em muitos casos, o dinheiro sai do bolso do próprio controlador. Vale tudo para impulsionar o valor de mercado da empresa. No momento atual, porém, tentar conter a queda das ações com atitudes como essa equivale a segurar uma onda com as mãos.

Nunca uma crise destruiu tanta riqueza - em escala planetária - quanto a de 2008. No ano, as principais bolsas do mundo perderam juntas mais de 11 trilhões de dólares em valor de mercado. A bolsa da Rússia foi a mais afetada, com uma queda de mais de 70%. Em seguida, vem a da China, cujo valor de mercado caiu de 3,1 trilhões para 1,2 trilhão de dólares, uma redução de 63%. Já a bolsa brasileira registrou uma queda de 39%.

De longe, o mercado que mais perdeu em termos absolutos foi o americano. Mais de 5 trilhões de dólares evaporaram da bolsa de Nova York em 2008. Entre as companhias americanas que mais sofreram com a crise internacional está a General Motors, que perdeu 84% de seu valor de mercado ao longo do ano.

Apontar os maiores perdedores de 2008 tornou-se uma diversão de analistas no mundo todo. Um dos maiores é o empresário indiano Lakshmi Mittal - considerado pela Forbes o quarto homem mais rico do mundo, com uma fortuna de 45 bilhões de dólares. Sua companhia, a ArcelorMittal, sofreu uma desvalorização de mais de 75% no ano. O patrimônio do pobre Mittal ficou 30 bilhões de dólares menor em 2008 - uma perda média de 83 milhões de dólares por dia.

No mercado acionário, como 2008 tem deixado claro, fortunas são desfeitas com a mesma velocidade com que são criadas. É evidente que, quando o cenário melhorar, o valor de mercado de companhias sólidas como a ArcelorMittal será reajustado. No Brasil, é seguro apostar que muitos dos ex-bilionários voltarão a ter seu bilhãozinho.

A realidade, porém, é que para alguns deles os dias de bonança realmente ficaram para trás - afinal, há hoje um consenso de que as novatas atingiram um valor de mercado que só poderia acontecer em meio a uma bolha acionária. Com a liquidez abundante e a perspectiva de obtenção do grau de investimento pelo Brasil, o apetite estrangeiro por novas oportunidades foi potencializado nos últimos anos. Com dinheiro sobrando na praça, os ativos ficaram sobrevalorizados. Em situações normais, a relação média entre preço da ação e lucro é de 15 vezes em empresas tradicionais, como Petrobras e Vale, segundo a Economática. Nas novatas, a média dessa relação no dia do IPO ultrapassou 40 vezes.

Isso aconteceu com empresas como Tecnisa e Multiplan. "Companhias que atingiram múltiplos como esses dificilmente alcançarão patamar semelhante quando a crise passar", diz o professor Alexandre Fiaglio, diretor da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte.

Uma avalanche chamada 2008
Cenários de crise funcionam como um teste de fogo, que força a seleção natural entre empresas - separando, assim, negócios sólidos daqueles que eram apenas conseqüência de uma bolha de investimentos. No passado, o estouro da bolha da internet levou milhares de empresas à falência. Algumas, porém, saíram fortalecidas e se consolidaram como líderes de seus setores. A Amazon, por exemplo, chegou a perder 95% de seu valor de mercado. Nos anos que se seguiram, sua excelência operacional transformou os prejuízos iniciais em lucro. Em 2007, a empresa já valia mais que no auge da bolha ponto-com.

É no exemplo da Amazon que os ex-bilionários brasileiros se espelham. É o que tenta fazer José Auriemo, presidente da incorporadora JHSF. Nos últimos 12 meses, as ações da companhia se desvalorizaram mais de 90%. Ele e seu pai, Fábio, que tinham 2,2 bilhões de reais cada um, têm hoje 218,5 milhões. A ordem na empresa, uma das cinco maiores do setor, é sobreviver à tempestade atual sem fazer loucuras.

Grandes investimentos, por exemplo, estão descartados. "O trabalho que estamos fazendo acabará se refletindo no preço da ação", diz José Auriemo. O lucro da empresa cresceu 326% nos nove primeiros meses de 2008. Ele torce para que continue desse jeito - e, assim, possa voltar para o clube dos bilionários quando a crise passar.

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