segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

CONTRATOS FINANCEIROS. CLÁUSULAS. TESTE.

Espaço Jurídico - Notícias

Artigo
Contratos financeiros saem da gaveta e cláusulas podem ser testadas
Antônio Giglio*
21112008

A crise dos mercados já tem tirado contratos financeiros das gavetas. Como é comum em períodos de turbulência, discussões jurídicas têm-se acalorado. O presente artigo visa analisar, em linhas gerais, algumas cláusulas que se destinam a momentos de dificuldade dos mercados, como o atual.

Embora o Direito das relações bancárias e financeiras tenda a se moldar à força motriz da sociedade capitalista - o capital, codificá-lo e aplicá-lo na regulação de criativas, dinâmicas e inconstantes relações financeiras no mundo global não é tarefa fácil. A sintonia fina entre Direito, desenvolvimento econômico, história, cultura e religião é complicada e pode ser um desafio para os aplicadores do Direito.

A vanguarda da engenharia financeira sempre esteve no mundo Anglo-saxão. Ali, por diversos motivos, a experiência com instrumentos financeiros estruturados e exóticos foi anterior e é mais intensa. O Common Law Britânico e o Norte-Americano, especialmente, há tempos enfrentam questões que apenas séculos depois começam a apontar em nossos Tribunais. É difícil afirmar com precisão qual será o posicionamento dos julgadores, judiciais e arbitrais, com relação a determinadas matérias ainda não enfrentadas no Brasil. Sem qualquer pretensão de esgotar o tema, ilustraremos, brevemente, a seguir, algumas disposições contratuais de interessante conteúdo.

São modelos internacionais trazidos, de uma forma ou de outra, à nossa realidade, e que podem ser, em momentos de crise, invocados em discussões e renegociações das mais diversas. Inicialmente, abordaremos a chamada cláusula “Market Disruption” ou “Market Disaster” (“ruptura” ou “desastre” nos mercados). Em seguida, discorreremos sobre a cláusula “Market Flex” (flexibilidade de taxas). Por fim, analisaremos o conceito de “Material Adverse Change” (mudança adversa relevante), aplicando-o especificamente às relações financeiras.
“Market Disruption” A obrigação de emprestar ou investir geralmente é condicionada a uma série de ocorrências, atinentes tanto ao tomador, como também, por vezes, à situação do mercado.

Por meio do dispositivo originariamente denominado “Market Disruption” ou “Market Disaster” (nas operações exclusivamente Européias, “Euromarket Disaster Clause”), financiadores buscam proteção com relação a descontinuidades bruscas dos mercados que possam vir a tornar o financiamento inviável ou impraticável. A redação da cláusula é, normalmente, genérica, prevendo que não persistem as obrigações do financiador se ocorrerem determinadas mudanças nos mercados, tais como (i) mudança das condições financeiras, nacionais ou internacionais; (ii) mudança das condições políticas; (iii) mudança das condições macroeconômicas; (iv) mudança das taxas de câmbio; ou (v) mudança dos controles cambiais.
A adoção da cláusula “Market Disruption” por financiadores e coordenadores de emissões em seus contratos aumentou significativamente no contexto da Guerra do Golfo, no início dos anos 90.

“Market Flex”
Por meio da cláusula “Market Flex”, muitos contratos permitem aos financiadores rever condições contratuais, especialmente juros e demais taxas previstas no contrato original, se ocorrerem mudanças no mercado semelhantes àquelas elencadas acima para a cláusula de desastre.

É como se um novo contrato tivesse que ser negociado. Portanto, razoável que se exija a concordância do tomador para tal revisão. Por um lado, o dispositivo gera insegurança jurídica aos tomadores de crédito. Por outro, permite aos bancos, intermediadores do fluxo de capital, rever as suas taxas de acordo com o aumento de seu custo de captação.

O uso da “Market Flex” já ficou evidenciado em uma das operações da Queiroz Galvão, no valor total de US$ 310 milhões para um projeto petrolífero. A empresa conseguiu os recursos, mas com juros significativamente mais altos do que os inicialmente negociados.

“Material Adverse Change”
Geralmente, o crédito só é concedido pelo financiador ou investidor levando-se em consideração a situação econômica e financeira do tomador em determinado momento. Com a crise, a análise de crédito tende a ser ainda mais criteriosa.

Para obter recursos, os tomadores assumem obrigações de manter determinados índices financeiros durante a vigência do contrato, além das obrigações de entregar balanços e documentos demonstrativos da situação de seus negócios. A vigência do contrato é condicionada à manutenção de tais índices.

De utilização mais difundida no meio jurídico em geral, as chamadas cláusulas “MAC” conferem aos financiadores o direito de rescindir o contrato financeiro se ocorrer uma “mudança adversa relevante” na posição financeira e dos negócios do tomador. A cláusula permite ainda, em muitos casos, a declaração, pelo financiador, do vencimento antecipado de todas as obrigações financeiras contraídas.

A crise de crédito afeta os negócios em geral. Por conseqüência, é de se esperar a invocação de cláusulas “MAC”. Podemos citar o exemplo das diversas empresas que incorreram em vultosas perdas por conta da contratação de derivativos de câmbio quando acreditavam na estabilidade do Real. A questão poderá dar ensejo à invocação das cláusulas “MAC” por terceiros que também contrataram com tais empresas.

As cláusulas “MAC”, em alguns casos, refletem o princípio contido no Artigo 477 de nosso Código Civil (possibilidade de uma das partes recusar o cumprimento da obrigação se à outra parte sobrevier diminuição significativa de patrimônio).

Os dispositivos acima abordados - “Market Disruption/Disaster”, “Market Flex” e “MAC” - são utilizados em inúmeras operações financeiras externas feitas com o Brasil e também em operações domésticas. É de se indagar de que maneira nossos Tribunais executariam cláusulas com esse teor. Por enquanto, notamos ser rara, na prática, a sua invocação em juízo pelos financiadores, quanto mais de forma inadvertida ou sem critérios justificáveis.

Em tempos de dificuldade para o crédito e para o investimento, a comunidade empresarial, financeira e jurídica espera que disputas levadas a juízo no Brasil por conta da atual crise sejam decididas de forma sensata, capaz de estimular os negócios, a circulação do capital e a confiança no sistema.

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