terça-feira, 9 de junho de 2009

Uma aposta no popular
Motivadas pelo projeto do governo, as grandes incorporadoras se ajustam para explorar a base da pirâmide social

Revista EXAME - Por Giuliana Napolitano e Eduardo Salgado | 28.05.2009 | 00h01

Alguém pode me explicar o que é subsídio?" A pergunta foi feita por Milton Goldfarb, presidente da incorporadora que leva seu sobrenome e pertence à empresa imobiliária PDG Realty, a uma plateia de 700 corretores reunidos no teatro Juca Chaves, em São Paulo, no fim de abril. Preocupado em saber se os profissionais haviam entendido o pacote habitacional voltado para a baixa renda anunciado pelo governo semanas antes, Goldfarb resolveu começar pelo básico. E teve uma surpresa: só dez corretores se arriscaram a responder - e nenhum acertou. O programa Minha Casa, Minha Vida prevê subsídios de 34 bilhões de reais, juros reduzidos, prazos maiores e descontos no seguro obrigatório para famílias com renda formal ou informal de até 4 650 reais por mês, o equivalente a dez salários mínimos. "A dificuldade de entender e também acreditar nas novas condições é compreensível porque nunca vimos nada desse tipo no Brasil", diz Goldfarb.

Na sede das maiores incorporadoras do país, o clima é de euforia - uma euforia que tem resistido até à lentidão do governo nos primeiros 30 dias do plano. A meta é usar a Caixa Econômica Federal para aprovar e financiar 1 milhão de casas e apartamentos em até dois anos, mas por enquanto o sonho da casa própria é um pesadelo burocrático. Até meados de maio, o banco só havia aprovado a construção de cerca de 2 000 unidades. Parte do problema reside na própria Caixa - embora o banco tenha cortado dezenas de exigências, ainda são necessários 54 procedimentos para aprovar um financiamento. "O banco está se mexendo, mas ainda existem muitos problemas. A aprovação de financiamento de compradores leva mais de um mês, quando o compromisso assumido pela Caixa era fazer isso em 15 dias", diz o presidente de uma incorporadora. Há também greves no caminho. Cerca de 2 300 engenheiros, arquitetos e advogados da Caixa cruzaram os braços em abril, pouco depois do anúncio do plano. "Fazemos reuniões todas as semanas com executivos do setor para entender os gargalos e resolvê-los", diz Jorge Hereda, vice-presidente da Caixa.

Apesar dos problemas, as principais empresas do setor passaram as últimas semanas se preparando para vender imóveis de acordo com as novas regras. Elas estão respondendo à avalanche de clientes que se têm cadastrado nas prefeituras para conseguir comprar casas e apartamentos usando as vantagens do pacote - em São Paulo, por exemplo, já há mais de 350.000 pessoas na fila. Parte desses consumidores também tem lotado os estandes das obras, as lojas próprias e os portais de venda das incorporadoras. "Não precisamos de marketing ou de um exército de vendedores para ir atrás de compradores, pois eles estão correndo para nós. A demanda é enorme, só falta atendê-la", diz Rubens Menin, presidente da MRV, que viu o número de atendimentos diários em seu site aumentar mais de quatro vezes, para 2 500. O desafio mais imediato das companhias é fazer seus corretores entender os benefícios do plano - e explicá-los aos clientes. Para isso, vêm realizando treinamentos específicos sobre o pacote. Uma das condições que geram mais polêmica é o subsídio de 23.000 reais que o governo dará a quem ganha menos de três salários mínimos por mês. "As pessoas não acreditam que esse dinheiro será dado, acham que tem algum truque, que terão de devolver isso depois", diz Milton Goldfarb.

Em política habitacional, o Brasil está décadas atrás dos países desenvolvidos. Perde até para a maior parte dos emergentes. O México criou um programa de incentivos públicos à construção civil em 2000 que se tornou referência mundial. De lá para cá, o país reduziu seu déficit habitacional pela metade. Aqui, estima-se que faltem cerca de 7 milhões de moradias - 98% delas para quem recebe menos de seis salários mínimos por mês. Até recentemente, era um público quase ignorado pelo mercado, mas que, após o pacote, tornou-se parte central de uma nova estratégia de negócios - por isso, as principais incorporadoras do país já começam a mergulhar mais fundo na pirâmide social. Quem focava seus esforços em famílias com renda entre seis e dez salários mínimos vai descer um degrau. É o caso da Goldfarb/PDG, que, antes do pacote, só vendia para quem ganhava mais de 3 000 reais, e da Living / Cyrela, a maior do mercado, mas com pouca tradição na baixa renda. "Fizemos ajustes para cortar custos. Preferimos prédios mais baixos e que ficam prontos em menos tempo, o que diminui os gastos com financiamento bancário. Com isso e as vantagens do plano, baixamos o preço médio de nossos imóveis em cerca de 20%", diz Antonio Guedes, principal executivo de baixa renda da Cyrela. Com o dinheiro dado pelo governo, quem ganha cerca de 1 500 reais por mês consegue comprar um imóvel de quase 80.000 reais - antes do pacote, era preciso ter um salário duas vezes maior para adquirir o mesmo imóvel.

O potencial do mercado já atraiu uma empresa estrangeira. A Homex, que se tornou uma das maiores construtoras de baixa renda do México apoiada em um plano de incentivo do governo de lá, vai lançar seu primeiro empreendimento no Brasil em junho. Trata-se de um condomínio de 1 403 casas e apartamentos, com preços em torno de 80.000 reais, em São José dos Campos, no interior de São Paulo. A previsão é entregar 90% das unidades até o fim do ano. "Sem o pacote, seríamos mais lentos", diz Clóvis Massuda, responsável pela construção e pelos projetos no Brasil da Homex, que tem entre seus acionistas o megainvestidor americano Sam Zell.

O plano está até mesmo levando algumas empresas a explorar um universo ainda mais problemático - e volumoso - do mercado: aquele formado por famílias que ganham até três salários mínimos mensais. "Sem incentivos públicos, esse mercado era inviável", diz Eduardo Gorayeb, presidente da Rodobens, especializada em baixa renda."Mobilizei toda a empresa para adequar nossos lançamentos a esses consumidores." Para poder oferecer imóveis que custam de 37.000 a 52.000 reais - uma exigência do pacote -, a Rodobens cortou o prazo de construção, fez mudanças nos projetos com o objetivo de reduzir custos e, assim, chegou a um preço final de 42.000 reais. Até o fim do ano, a meta é lançar 4.000 unidades em São Paulo e na Região Sul.

Algumas incorporadoras, porém, ainda olham esses consumidores com desconfiança. Mesmo com a ajuda do governo, a rentabilidade desse segmento é cerca de 30% menor que a média do setor. A conta só fecha para quem consegue comprar terrenos baratos. "O preço não pode passar de 10% do valor final. Para conseguir locais assim e vender um imóvel por menos de 52.000 reais, só fazendo parcerias com os municípios", diz Henrique Bianco, presidente da HM, incorporadora de baixa renda da Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário. A estratégia - que está sendo usada pela HM e pela Rodobens - é fechar convênios com as prefeituras para que elas levem água, esgoto e transporte público a terrenos que ficam longe dos centros urbanos e, por isso, têm um preço por metro quadrado inferior ao dos bairros centrais. Também estão na pauta de negociações reduções de impostos municipais.

Quando as maiores incorporadoras do país tinham o capital fechado, suas previsões eram apenas palavras ao vento. Cada uma dizia o que queria e ninguém era cobrado por promessas não cumpridas. Agora presentes na bolsa de valores, os executivos pensam muito antes de anunciar suas metas porque, se não atingirem os objetivos, correm o risco de ver suas ações sucumbir, como ocorreu com muitas empresas no ano passado. Causa surpresa, portanto, a desenvoltura com que as incorporadoras estão anunciando suas novas projeções. Na média, o crescimento estimado para este ano no segmento de baixa renda é de 70% em relação a 2008.

Como a crise está freando os lançamentos de alto padrão - em São Paulo, a queda foi de 25% de janeiro a abril, segundo a consultoria Embraesp -, as grandes incorporadoras esperam um forte crescimento da participação das classes C e D em seus faturamentos. A Asa, braço de baixa renda da paulista Agra, deve responder por cerca de um quarto das vendas do grupo neste ano, um crescimento de mais de 1.000% em comparação a 2008. Na Rossi, outra incorporadora de São Paulo, a meta é que metade das vendas venha desse mercado - em 2008, a taxa foi de 10%. A Tenda prevê faturar 1,5 bilhão de reais, 36% mais que sua controladora, a Gafisa. No que depender das empresas, o mercado imobiliário brasileiro terminará 2009 transformado -e muito maior.

Nenhum comentário:

Postar um comentário